quarta-feira, 8 de junho de 2016

O Chato do Politicamente Correto (Por Thiago Muniz)

Eu tenho uma teoria de que um dos maiores problemas do Brasil (e talvez no mundo...) é como ele se trata como bebê e, portanto, não cresce. Aqui nós temos que pedir permissão pra tudo, até pra apostar nosso próprio dinheiro.

Aqui não posso fumar maconha, porque faz mal. Não posso levar um rojão no estádio, pois posso apontar pro lado errado e machucar alguém.

Não posso nada, para que sempre alguém tenha controle dos erros que eu possa cometer. Eu jamais vou aprender a arcar com as consequências do que faço se as causas são mais culpadas do que eu.

O que você pode falar ou fazer, afinal?

A onda politicamente correta cresceu a ponto de tolher a liberdade de pensamento. O maior problema, porém, é outro: a reação torna tudo o que é incorreto "bacana". E abre espaço para a intolerância.

"Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra c... Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus." A fala é de um show de comédia stand-up de Rafinha Bastos. 

O Twitter foi inundado de mensagens com variações do tema proposto por Mayara Petruso - a estagiária de direito que recomendou o afogamento de nordestinos. 

Claro que nem Rafinha está defendendo o estupro nem os afogadores de imigrantes são necessariamente homicidas em potencial.

Boa parte dessa truculência é uma reação à onda politicamente correta das últimas décadas. A incorreção, nesse sentido, virou uma arma para defender a liberdade de expressão, que só existe quando você também é livre até para pensar o impensável e dizer o impronunciável.

Mas o que acontece quando o impensável agride o próximo gratuitamente? 

Para entender como chegamos a esse nó, vamos para a origem do termo "politicamente correto". 

Ele apareceu pela primeira vez com um significado bem diferente do que usamos hoje: na China dos anos 30, para denotar a estrita conformidade com a linha ortodoxa do Partido Comunista, tal como enunciado por Mao Tsé-tung. Mas o significado com que a expressão chegou até nós é uma criação dos Estados Unidos dos anos 60.

Na época, universitários americanos abraçaram a defesa dos direitos civis, seja das mulheres, seja dos negros. Era uma época de transformações na sociedade: as empresas e universidades, antes habitadas exclusivamente por homens brancos, agora viam chegar mulheres, negros, gays, imigrantes. Era preciso ensinar as pessoas a conviver com a diferença.

Nisso, negro virou african-american, ("afro-americano"), fag ("bicha") virou gay ("alegre"). O paradoxal aí é que, pela primeira vez na história americana, quem buscava estender os direitos civis também advogava por uma limitação na liberdade de expressão.

O passo seguintes viria com os anos 90. Mais especificamente com a derrocada do mundo comunista. O fim do socialismo mudou a agenda dos grupos de esquerda. Se antes a busca pela igualdade era a busca pela diminuição das diferenças entre as classes sociais, agora era pela eliminação das "classes pessoais". 

Tratava-se de não estigmatizar as pessoas por aquilo que elas eram - afinal, não faz sentido aumentar o peso do fardo que cada um tem de carregar na vida. Dessa maneira, não bastava combater só o sexismo e o racismo. E "obesidade" virou "sobrepeso"; "deficiência física" virou "necessidade especial"...

Só que o método, por mais bem-intencionado que seja, é inócuo. Quem explica por que é o francês Ferdinand Saussure, o pai da linguística, num texto de 1916: "De todas as instituições sociais, a linguagem é a que oferece menor margem a iniciativas". 

Ela é utilizada por todos os membros de uma comunidade, que, por esta ser naturalmente inerte, acaba por conservar a linguagem. Qualquer interferência tende a ser rechaçada.

É aí que o debate começa. Politicamente corretos ficam do lado do conselho que a sua mãe dava: seu direito termina onde começa o do outro. Se o próximo se sente ofendido, você não pode falar. Ponto.

Parece um argumento inatacável. Mas tem um problema aí: quem é o juiz para decidir o que é certo e o que é errado, o que ofende e o que não ofende? Onde fica a liberdade de pensamento, de expressão? A ideia de que o direito de um termina onde começa o do outro vale aqui também: pode alguém retirar o direito do outro de dizer o que pensa?

Talvez por isso a transformação ideológica de palavras seja tão utilizada por governos: é uma ótima forma de revogar o direito de pensar. Tanto regimes autoritários - como o apartheid sul-africano, em que a palavra "miscigenação" virou "imoralidade" - quanto democráticos - como o dos EUA, que usou o termo "guerra preventiva" para o ataque unilateral ao Iraque - usaram do expediente. 

No mundo do politicamente correto isso é o equivalente a chamar de "melhor idade" a época da vida em que vemos multiplicar o valor do plano de saúde.

De boa intenção, o politicamente correto passa a ser visto como hipocrisia. E de hipócrita a algo fundamentalmente errado. Como lidar com o excesso de correção política, então? Não temos a pretensão de dar uma resposta definitiva. Mas sair xingando os outros de gordo, aleijado, retardado e baranga estuprada é que não vai ser. Se fosse engraçado, talvez até funcionasse. Mas não. Não é .

Muito provavelmente, a maioria de nós já foi enganada pelo politicamente correto. O termo é bonito, soa bem, parece polido, cheio de virtude, digno de ser aprendido e posto em prática. 

Com o tempo, no entanto, aprendemos que se trata de um embuste, mais uma daquelas novas expressões incluídas em nosso vocabulário para confundir e dar aparência de virtuoso àquilo que é vil, frívolo e indecoroso; roupagem fina para grosseria, ou um lobo em pele de cordeiro. 

Trata-se, na verdade, da pior ditadura que pode vir a existir: aquela em que os súditos se encarregam de subverter e subjugar os seus próprios comuns ao jugo de um poder tirano.

Essa é a realidade da sociedade contemporânea. Quando conversamos, dialogamos ou expressamos nossas ideias, fazemos o tempo todo como que pisando em ovos. 

As pessoas tornaram-se extremamente sensíveis a qualquer objeção ou ideia que venham a lhes desagradar. As palavras devem ser cuidadosamente escolhidas, e é preciso ter certeza que ninguém se sentirá ofendido com o que será dito.

O politicamente correto é a versão real da novilíngua, idealizada pelo governo autoritário do livro de ficção “1984”, de George Orwell. A novilíngua não nascia naturalmente como expressão da cultura e acúmulo de conhecimento do povo, mas pela condensação e remoção dos vocábulos e de seus significados, a fim de limitar o pensamento. 

Simplesmente não pode estar no universo das pessoas algo que elas não têm palavras para dar sentido pleno. Controlando, portanto, a linguagem, os governantes controlavam os pensamentos e qualquer oposição que pudesse surgir de novas ideias. Logo, não era preciso se preocupar em proibir a menção de coisas, pessoas, ou situações. Bastava diminuir o escopo de construção racional sobre elas.

Da mesma maneira, o politicamente correto quer sugerir verbetes que nos imponham um pedido de autorização para falar sobre determinados assuntos, tornando imoral o uso de sinônimos diversos.

Começa-se com coisas simples, aparentemente sem consequências importantes: o aleijado é deficiente físico; o cego é deficiente visual; o relacionamento homossexual é homoafetivo; o viciado é dependente químico, e assim por diante. 

Por mais que saibamos que existem maneiras discretas de se referir a determinadas situações, tornamo-nos mal educados e incorretos pelo simples fato de usar algumas palavras, que em si nada têm de ofensivas, são apenas descritivas.

No entanto, o mais grave ocorre quando da emissão de opiniões, de ideias ou da consciência. Expressar desacordo tornou-se discurso de ódio, e qualquer parecer contrário aos interesses de um determinado grupo vira “fobia”. 

Ou seja, opinião é criminalizada sem a necessidade de lei.

O uso constante do sufixo “fobia” é uma clara imposição da novílingua, a aceitação forçada do discurso oficial, bem como o de rotular oposição como discurso de ódio. Na era do politicamente correto, todos nos tornamos, de alguma maneira, fóbicos e odiosos. 

Se alguém não concorda como o modo de pensar ou de agir de outra pessoa, logo é acusado de ter fobia e odiar aquele a quem se opõe.

Uma demonstração bem clara dessa prática se dá no caso do programa Mais Médicos. Se você argumenta que o Brasil tem meios alternativos de resolver os problemas da saúde pública com seus próprios médicos, e, por isso, é contra a vinda de profissionais cubanos, vão lhe chamar de xenofóbico. 

Não interessa que você levante bons argumentos racionais, e que você não tenha nada contra os cubanos pelo fato de serem de outra nacionalidade. Você se tornou xenofóbico. Ponto final.

Igualmente, se você é contra determinada ideologia ou partido político, qualquer coisa que vier a falar contra eles, será denunciado como discurso de ódio.

É interessante também notar que isso cria uma armadilha para todos os lados envolvidos no momento que se exterioriza discordância. Veja só um exemplo que gera discussões acaloradas: quando o cristão defende princípios conservadores acerca da sexualidade, ele é rotulado de homofóbico. 

Ironicamente, a acusação retorna, e os homossexuais são chamados de cristofóbicos. Trata-se, claramente, de um coletivismo generalizado, que não expressa a realidade de nenhum dos grupos.

Note bem, basta acrescentar o sufixo fobia e pronto! Está aí a defesa de tuas ideias. Faça-o de acordo com tua preferência: o importante é dificultar que a outra pessoa construa argumentos, mesmo que para isso seja necessário transformar o diálogo em ataque pessoal, fora do campo da razão. 

Se alguém tentar argumentar contra uma prática ou uma ideia, não deixe de gritar aos quatro cantos que aquele discurso é cheio de ódio, e aos olhos de muitos, você sairá vencedor.

Quando o debate e a expressão são limitados, em vigia constante de uns sobre os outros acerca do que é certo dizer ou não, sobre quais palavras podem ser usadas e acerca do que se é permitido pensar, o diálogo, o confronto de ideias e a dialética tornam-se impossíveis. Instaura-se, assim, uma ditadura disfarçada e alimentada pelos próprios escravizados.

O que resta é o silêncio: vivemos a tirania do politicamente correto.













BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.



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