Aqui não posso fumar maconha, porque faz mal. Não posso levar um rojão no estádio, pois posso apontar pro lado errado e machucar alguém.
Não posso nada, para que sempre alguém tenha controle dos erros que eu possa cometer. Eu jamais vou aprender a arcar com as consequências do que faço se as causas são mais culpadas do que eu.
A onda politicamente correta cresceu a ponto de tolher a liberdade de pensamento. O maior problema, porém, é outro: a reação torna tudo o que é incorreto "bacana". E abre espaço para a intolerância.
"Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra c... Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus." A fala é de um show de comédia stand-up de Rafinha Bastos.
O Twitter foi inundado de mensagens com variações do tema proposto por Mayara Petruso - a estagiária de direito que recomendou o afogamento de nordestinos.
Claro que nem Rafinha está defendendo o estupro nem os afogadores de imigrantes são necessariamente homicidas em potencial.
Boa parte dessa truculência é uma reação à onda politicamente correta das últimas décadas. A incorreção, nesse sentido, virou uma arma para defender a liberdade de expressão, que só existe quando você também é livre até para pensar o impensável e dizer o impronunciável.
Mas o que acontece quando o impensável agride o próximo gratuitamente?
Boa parte dessa truculência é uma reação à onda politicamente correta das últimas décadas. A incorreção, nesse sentido, virou uma arma para defender a liberdade de expressão, que só existe quando você também é livre até para pensar o impensável e dizer o impronunciável.
Mas o que acontece quando o impensável agride o próximo gratuitamente?
Para entender como chegamos a esse nó, vamos para a origem do termo "politicamente correto".
Ele apareceu pela primeira vez com um significado bem diferente do que usamos hoje: na China dos anos 30, para denotar a estrita conformidade com a linha ortodoxa do Partido Comunista, tal como enunciado por Mao Tsé-tung. Mas o significado com que a expressão chegou até nós é uma criação dos Estados Unidos dos anos 60.
Na época, universitários americanos abraçaram a defesa dos direitos civis, seja das mulheres, seja dos negros. Era uma época de transformações na sociedade: as empresas e universidades, antes habitadas exclusivamente por homens brancos, agora viam chegar mulheres, negros, gays, imigrantes. Era preciso ensinar as pessoas a conviver com a diferença.
Nisso, negro virou african-american, ("afro-americano"), fag ("bicha") virou gay ("alegre"). O paradoxal aí é que, pela primeira vez na história americana, quem buscava estender os direitos civis também advogava por uma limitação na liberdade de expressão.
O passo seguintes viria com os anos 90. Mais especificamente com a derrocada do mundo comunista. O fim do socialismo mudou a agenda dos grupos de esquerda. Se antes a busca pela igualdade era a busca pela diminuição das diferenças entre as classes sociais, agora era pela eliminação das "classes pessoais".
Na época, universitários americanos abraçaram a defesa dos direitos civis, seja das mulheres, seja dos negros. Era uma época de transformações na sociedade: as empresas e universidades, antes habitadas exclusivamente por homens brancos, agora viam chegar mulheres, negros, gays, imigrantes. Era preciso ensinar as pessoas a conviver com a diferença.
Nisso, negro virou african-american, ("afro-americano"), fag ("bicha") virou gay ("alegre"). O paradoxal aí é que, pela primeira vez na história americana, quem buscava estender os direitos civis também advogava por uma limitação na liberdade de expressão.
O passo seguintes viria com os anos 90. Mais especificamente com a derrocada do mundo comunista. O fim do socialismo mudou a agenda dos grupos de esquerda. Se antes a busca pela igualdade era a busca pela diminuição das diferenças entre as classes sociais, agora era pela eliminação das "classes pessoais".
Tratava-se de não estigmatizar as pessoas por aquilo que elas eram - afinal, não faz sentido aumentar o peso do fardo que cada um tem de carregar na vida. Dessa maneira, não bastava combater só o sexismo e o racismo. E "obesidade" virou "sobrepeso"; "deficiência física" virou "necessidade especial"...
Só que o método, por mais bem-intencionado que seja, é inócuo. Quem explica por que é o francês Ferdinand Saussure, o pai da linguística, num texto de 1916: "De todas as instituições sociais, a linguagem é a que oferece menor margem a iniciativas".
Só que o método, por mais bem-intencionado que seja, é inócuo. Quem explica por que é o francês Ferdinand Saussure, o pai da linguística, num texto de 1916: "De todas as instituições sociais, a linguagem é a que oferece menor margem a iniciativas".
Ela é utilizada por todos os membros de uma comunidade, que, por esta ser naturalmente inerte, acaba por conservar a linguagem. Qualquer interferência tende a ser rechaçada.
É aí que o debate começa. Politicamente corretos ficam do lado do conselho que a sua mãe dava: seu direito termina onde começa o do outro. Se o próximo se sente ofendido, você não pode falar. Ponto.
Parece um argumento inatacável. Mas tem um problema aí: quem é o juiz para decidir o que é certo e o que é errado, o que ofende e o que não ofende? Onde fica a liberdade de pensamento, de expressão? A ideia de que o direito de um termina onde começa o do outro vale aqui também: pode alguém retirar o direito do outro de dizer o que pensa?
Talvez por isso a transformação ideológica de palavras seja tão utilizada por governos: é uma ótima forma de revogar o direito de pensar. Tanto regimes autoritários - como o apartheid sul-africano, em que a palavra "miscigenação" virou "imoralidade" - quanto democráticos - como o dos EUA, que usou o termo "guerra preventiva" para o ataque unilateral ao Iraque - usaram do expediente.
É aí que o debate começa. Politicamente corretos ficam do lado do conselho que a sua mãe dava: seu direito termina onde começa o do outro. Se o próximo se sente ofendido, você não pode falar. Ponto.
Parece um argumento inatacável. Mas tem um problema aí: quem é o juiz para decidir o que é certo e o que é errado, o que ofende e o que não ofende? Onde fica a liberdade de pensamento, de expressão? A ideia de que o direito de um termina onde começa o do outro vale aqui também: pode alguém retirar o direito do outro de dizer o que pensa?
Talvez por isso a transformação ideológica de palavras seja tão utilizada por governos: é uma ótima forma de revogar o direito de pensar. Tanto regimes autoritários - como o apartheid sul-africano, em que a palavra "miscigenação" virou "imoralidade" - quanto democráticos - como o dos EUA, que usou o termo "guerra preventiva" para o ataque unilateral ao Iraque - usaram do expediente.
No mundo do politicamente correto isso é o equivalente a chamar de "melhor idade" a época da vida em que vemos multiplicar o valor do plano de saúde.
De boa intenção, o politicamente correto passa a ser visto como hipocrisia. E de hipócrita a algo fundamentalmente errado. Como lidar com o excesso de correção política, então? Não temos a pretensão de dar uma resposta definitiva. Mas sair xingando os outros de gordo, aleijado, retardado e baranga estuprada é que não vai ser. Se fosse engraçado, talvez até funcionasse. Mas não. Não é .
Muito provavelmente, a maioria de nós já foi enganada pelo politicamente correto. O termo é bonito, soa bem, parece polido, cheio de virtude, digno de ser aprendido e posto em prática.
De boa intenção, o politicamente correto passa a ser visto como hipocrisia. E de hipócrita a algo fundamentalmente errado. Como lidar com o excesso de correção política, então? Não temos a pretensão de dar uma resposta definitiva. Mas sair xingando os outros de gordo, aleijado, retardado e baranga estuprada é que não vai ser. Se fosse engraçado, talvez até funcionasse. Mas não. Não é .
Muito provavelmente, a maioria de nós já foi enganada pelo politicamente correto. O termo é bonito, soa bem, parece polido, cheio de virtude, digno de ser aprendido e posto em prática.
Com o tempo, no entanto, aprendemos que se trata de um embuste, mais uma daquelas novas expressões incluídas em nosso vocabulário para confundir e dar aparência de virtuoso àquilo que é vil, frívolo e indecoroso; roupagem fina para grosseria, ou um lobo em pele de cordeiro.
Trata-se, na verdade, da pior ditadura que pode vir a existir: aquela em que os súditos se encarregam de subverter e subjugar os seus próprios comuns ao jugo de um poder tirano.
Essa é a realidade da sociedade contemporânea. Quando conversamos, dialogamos ou expressamos nossas ideias, fazemos o tempo todo como que pisando em ovos.
Essa é a realidade da sociedade contemporânea. Quando conversamos, dialogamos ou expressamos nossas ideias, fazemos o tempo todo como que pisando em ovos.
As pessoas tornaram-se extremamente sensíveis a qualquer objeção ou ideia que venham a lhes desagradar. As palavras devem ser cuidadosamente escolhidas, e é preciso ter certeza que ninguém se sentirá ofendido com o que será dito.
O politicamente correto é a versão real da novilíngua, idealizada pelo governo autoritário do livro de ficção “1984”, de George Orwell. A novilíngua não nascia naturalmente como expressão da cultura e acúmulo de conhecimento do povo, mas pela condensação e remoção dos vocábulos e de seus significados, a fim de limitar o pensamento.
O politicamente correto é a versão real da novilíngua, idealizada pelo governo autoritário do livro de ficção “1984”, de George Orwell. A novilíngua não nascia naturalmente como expressão da cultura e acúmulo de conhecimento do povo, mas pela condensação e remoção dos vocábulos e de seus significados, a fim de limitar o pensamento.
Simplesmente não pode estar no universo das pessoas algo que elas não têm palavras para dar sentido pleno. Controlando, portanto, a linguagem, os governantes controlavam os pensamentos e qualquer oposição que pudesse surgir de novas ideias. Logo, não era preciso se preocupar em proibir a menção de coisas, pessoas, ou situações. Bastava diminuir o escopo de construção racional sobre elas.
Da mesma maneira, o politicamente correto quer sugerir verbetes que nos imponham um pedido de autorização para falar sobre determinados assuntos, tornando imoral o uso de sinônimos diversos.
Da mesma maneira, o politicamente correto quer sugerir verbetes que nos imponham um pedido de autorização para falar sobre determinados assuntos, tornando imoral o uso de sinônimos diversos.
Começa-se com coisas simples, aparentemente sem consequências importantes: o aleijado é deficiente físico; o cego é deficiente visual; o relacionamento homossexual é homoafetivo; o viciado é dependente químico, e assim por diante.
Por mais que saibamos que existem maneiras discretas de se referir a determinadas situações, tornamo-nos mal educados e incorretos pelo simples fato de usar algumas palavras, que em si nada têm de ofensivas, são apenas descritivas.
No entanto, o mais grave ocorre quando da emissão de opiniões, de ideias ou da consciência. Expressar desacordo tornou-se discurso de ódio, e qualquer parecer contrário aos interesses de um determinado grupo vira “fobia”.
No entanto, o mais grave ocorre quando da emissão de opiniões, de ideias ou da consciência. Expressar desacordo tornou-se discurso de ódio, e qualquer parecer contrário aos interesses de um determinado grupo vira “fobia”.
Ou seja, opinião é criminalizada sem a necessidade de lei.
O uso constante do sufixo “fobia” é uma clara imposição da novílingua, a aceitação forçada do discurso oficial, bem como o de rotular oposição como discurso de ódio. Na era do politicamente correto, todos nos tornamos, de alguma maneira, fóbicos e odiosos.
O uso constante do sufixo “fobia” é uma clara imposição da novílingua, a aceitação forçada do discurso oficial, bem como o de rotular oposição como discurso de ódio. Na era do politicamente correto, todos nos tornamos, de alguma maneira, fóbicos e odiosos.
Se alguém não concorda como o modo de pensar ou de agir de outra pessoa, logo é acusado de ter fobia e odiar aquele a quem se opõe.
Uma demonstração bem clara dessa prática se dá no caso do programa Mais Médicos. Se você argumenta que o Brasil tem meios alternativos de resolver os problemas da saúde pública com seus próprios médicos, e, por isso, é contra a vinda de profissionais cubanos, vão lhe chamar de xenofóbico.
Uma demonstração bem clara dessa prática se dá no caso do programa Mais Médicos. Se você argumenta que o Brasil tem meios alternativos de resolver os problemas da saúde pública com seus próprios médicos, e, por isso, é contra a vinda de profissionais cubanos, vão lhe chamar de xenofóbico.
Não interessa que você levante bons argumentos racionais, e que você não tenha nada contra os cubanos pelo fato de serem de outra nacionalidade. Você se tornou xenofóbico. Ponto final.
Igualmente, se você é contra determinada ideologia ou partido político, qualquer coisa que vier a falar contra eles, será denunciado como discurso de ódio.
É interessante também notar que isso cria uma armadilha para todos os lados envolvidos no momento que se exterioriza discordância. Veja só um exemplo que gera discussões acaloradas: quando o cristão defende princípios conservadores acerca da sexualidade, ele é rotulado de homofóbico.
Igualmente, se você é contra determinada ideologia ou partido político, qualquer coisa que vier a falar contra eles, será denunciado como discurso de ódio.
É interessante também notar que isso cria uma armadilha para todos os lados envolvidos no momento que se exterioriza discordância. Veja só um exemplo que gera discussões acaloradas: quando o cristão defende princípios conservadores acerca da sexualidade, ele é rotulado de homofóbico.
Ironicamente, a acusação retorna, e os homossexuais são chamados de cristofóbicos. Trata-se, claramente, de um coletivismo generalizado, que não expressa a realidade de nenhum dos grupos.
Note bem, basta acrescentar o sufixo fobia e pronto! Está aí a defesa de tuas ideias. Faça-o de acordo com tua preferência: o importante é dificultar que a outra pessoa construa argumentos, mesmo que para isso seja necessário transformar o diálogo em ataque pessoal, fora do campo da razão.
Note bem, basta acrescentar o sufixo fobia e pronto! Está aí a defesa de tuas ideias. Faça-o de acordo com tua preferência: o importante é dificultar que a outra pessoa construa argumentos, mesmo que para isso seja necessário transformar o diálogo em ataque pessoal, fora do campo da razão.
Se alguém tentar argumentar contra uma prática ou uma ideia, não deixe de gritar aos quatro cantos que aquele discurso é cheio de ódio, e aos olhos de muitos, você sairá vencedor.
Quando o debate e a expressão são limitados, em vigia constante de uns sobre os outros acerca do que é certo dizer ou não, sobre quais palavras podem ser usadas e acerca do que se é permitido pensar, o diálogo, o confronto de ideias e a dialética tornam-se impossíveis. Instaura-se, assim, uma ditadura disfarçada e alimentada pelos próprios escravizados.
O que resta é o silêncio: vivemos a tirania do politicamente correto.
Quando o debate e a expressão são limitados, em vigia constante de uns sobre os outros acerca do que é certo dizer ou não, sobre quais palavras podem ser usadas e acerca do que se é permitido pensar, o diálogo, o confronto de ideias e a dialética tornam-se impossíveis. Instaura-se, assim, uma ditadura disfarçada e alimentada pelos próprios escravizados.
O que resta é o silêncio: vivemos a tirania do politicamente correto.
BIO
Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.
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